Além do Viagra e as curvas perfeitas

Muito falamos no Yoga sobre ir além, mas além de que? das nossas limitações? dos nossos medos? quais fronteiras desejamos, todos, sem distinção, atravessar? Será que existe um além comum para todos nós? Sobre isso quero refletir hoje, já que num texto muito antigo achei algo que, para mim, se assemelha a uma resposta e ainda mais, fala sobre como chegar lá.

Sobre o Viagra e as curvas

Alguns dias atrás mergulhando nesse mundo da internet achei uma notícia que chamou a minha atenção: “o Viagra salva vidas”, sim! agora você deve estar pensando o que isso tem a ver com o além, a iluminação e o Yoga…

Um estudo na Suécia determinou que a disponibilidade da droga sildenafil faz com que a taxa de suicídios entre homens adultos diminua. Parece doido, até engraçado, mas oculta um fato um pouco mais triste do que hilarante.

É uma crença comum, e tão aceita quanto nociva, na nossa sociedade que a aparência física de mulheres influi no seu nível de felicidade; e, entre homens, parece acontecer um fenômeno similar em relação às nossas vidas sexuais, aparentemente somos enquanto “rendemos”. Não quero dizer com isso que sexo seja algo ruim ou sem importância, é bom e saudável, mas basear nossa vida na nossa aparência ou na nossa capacidade sexual pode nos trazer vários problemas.

Isso me fez ficar refletindo no jeito em que nós, humanos, damos sentido às nossas vidas. Alguns de nós nos ancoramos no trabalho, outros em relacionamentos, na imagem, nas vitórias, quem for julgad@ mais “superficial” tal vez no status e a opinião que outras pessoas tem dele ou dela, quem for julgad@ como mais “profund@”, no seu conhecimento e a capacidade transformar ou melhorar seu entorno [por favor leve em conta as aspas].

Mas o certo é: quanto ou quê disso faz realmente sentido quando lembramos da qualidade principal desse universo? ☞ que todo está mudando o tempo inteiro (o termo que define isso na filosofia védica é Parinamavada). 

Estamos nos focando ou estamo-nos distraindo? 

Sabe, quando você dirige precisa focar e ter visão panorâmica ao mesmo tempo, se foca com demasiada intensidade numa coisa só, na verdade você está se distraindo, porque perdeu o contexto, também acontece quando tocamos um instrumento ou quando cozinhamos, a verdade é a maioria das artes demandam essa habilidade complexa. Viver é uma arte.

Samadhi é um termo muito utilizado no Yoga, ele é muitas vezes indicado como objetivo das práticas. Trata-se de um estado elevado ou diferente de consciência. A principal qualidade dele (na minha opinião) é que nos permite ir além das aparências, poderíamos dizer que nos permite ter um entendimento diferente da realidade e que, quando atingido, pode influir em todos os outros estados da consciência.

Vou pôr isso em palavras mais simples. Se você alguma vez experimentou uma meditação muito profunda, na qual se sentiu muito bem, pacífic@, poderíamos dizer que você experimentou um vislumbre de Samadhi, de um estado diferente da consciência, além da vigília e o sono; nesse dia deve ter percebido também que quando acabou a sua meditação e você começou a sua rotina a sua mente tinha um semblante distinto, mais calma e também focada. Aquele estado equânime do Samadhi influenciou outros estados da sua consciência.

Também existem vários tipos de Samadhi, não só aquele do mestre iluminado; e de fato cada mestre iluminado vivenciou o Samadhi de um jeito diferente, Jesus, Krishna, Budha, Mahavir…cada um é completamente diferente do outro, e ao mesmo tempo trouxeram ensinamentos tão similares.

Quando a nossa consciência se amplia, a nossa perspectiva da realidade vai junto. E sim, coisas comuns continuarão a nos incomodar, afinal vivemos uma experiência humana; não render no sexo, não ser o cara rasgado da praia, não ser a mais popular do curso ou não receber o reconhecimento que desejamos na profissão acgo que ainda serão coisas que não nos produziram prazer, mas o poder de nos abalar dessas situações ou condições vai ser muito menor porque ganhamos perspectiva. 

Tem receita para conseguirmos ir além?

Segundo os antigos textos do Yoga nós somos 5 elementos, 3 gunas (e eu também falo que 2 modos). Tudo isso pode ser entendido tanto literal quanto metaforicamente [apelando às qualidades dos elementos, mas esse é papo de outro post].

Em algumas sessões e cursos já falei sobre os gunas, as qualidades: Tamas, Rajas e Sattva. Das 3, Sattva é a qualidade da pureza, a equanimidade, a calma, o centramento. Ir en direção ao Samadhi quer dizer aumentar os níveis de Sattva.

Imagina que você governa uma cidade analfabeta. Você precisa todo dia trabalhar para que os cidadãos aprendam a ler e escrever, você só poderá dizer que essa é uma cidade alfabetizada quando 100% das pessoas que habitam nela saibam ler e escrever.

O nosso cérebro funciona de um jeito similar. Dos bilhioẽs de neurónios que conformam ele só algumas conexões funcionam num dia, e elas vão se revezando, a volta completa acontece talvez ao cabo de 10 a 12 meses. 

Então: um hábito saudável, digamos nutrir o Sattva para experimentar cada vez mais e mais um estado equânime (algum tipo de Samadhi), requer que você tenha um hábito de práticas que elevem seu Sattva durante um tempo determinado até todo o cérebro, todo o sistema, ser “alfabetizado”.

Por esse motivo não adianta se culpar quando as coisas dão errado, ou quando nós surpreendemos numa crença limitante, se não entender que precisamos continuar trabalhando nessa construção de hábitos que, eventualmente, nos permitiram mudar o sistema, desde a química até as crenças, afim de ter uma perspectiva maior, além do viagra ou das curvas perfeitas e aceitando que todo esta mudando constantemente.